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Filhos de um Deus menor* | Rogério Manita e Sousa | 1 de fevereiro de 2023

As greves desenvolvidas pelos professores são sempre terríveis e de graves consequências para a população, nada que se compare a outras de outros profissionais, claro! Segundo João Costa foram feitas de surpresa, porque decorria um processo negocial, são imprevisíveis, podendo levar ao despedimento de pais, ou são mesmo desproporcionais. As greves são atípicas e configuram-se, na sua perceção, como contendo ilegalidades, para além de haver eventual recurso a fundos de greves ‘incaracterísticos’.

Certamente pior que indemnizações a ex-governantes ou mesmo à situação em que outros foram gerir empresas a que tinham facilitado acesso a benesses e fundos.Admite recorrer aos serviços mínimos para garantir às famílias segurança, previsibilidade e direito à Educação, pois sempre esteve disposto a negociar… Mas não foi este governante que disse que as manifestações ‘até’ são um direito e que as greves, quando começaram neste ano letivo, eram realizadas por ‘tradição’?

E que dizer do que se obteve até agora desses processos negociais, mesmo desde 2015 ano em que integrou o Governo enquanto Secretário de Estado? Acaso conseguiu, pelo menos, definir nesse período o que era tempo para atividades letivas ou para as não letivas, algo do âmbito da sua competência no cargo? Ainda estará certamente a criar uma comissão para o estudar…

Propôs, pelo que se sabe, que a alocação às Escolas dos docentes integrados em mapas interconcelhios seja decidida por conselhos locais de Diretores. Mas, segundo António Costa, as greves foram realizadas com base em perceções erradas. Ou seja, os professores são ‘burros’! Curioso é que as atas e os áudios das reuniões onde estas propostas foram discutidas ainda não foram divulgados pelo Ministério da Educação (ME)…

Mas estas greves são apenas por este motivo? Não é verdade que:

há docentes cujo ordenado líquido em 2022 é menor que o de 2010?

perderam mais de 25% do poder de compra, com uma inflação hoje galopante?

se verificaram aumentos médios na OCDE maiores que no País nos últimos anos?

tiveram um aumento para quase o dobro do desconto para a ADSE em 14 meses?

os professores do Continente não recuperaram os mais de 6,5 anos do tempo de serviço?

existem quotas na passagem dos 5.º e 7.º escalões, que não existem nas Regiões Autónomas?

tudo isso é uma flagrante injustiça face aos colegas dos Açores e da Madeira?

houve quem perdesse mais de 4 anos na transição entre carreiras?

é hoje diferenciado o ordenado de entrada na carreira docente e na de Técnico Superior?

tais quotas são injustas porque não traduzem o que a avaliação lhes possibilitaria?

isso leva a listas cada vez maiores de docentes a aguardar justiça na sua progressão?

se sabe que tudo isto é feito mesmo com base num modelo que privilegia o ‘amiguismo’?

o modelo de gestão das Escolas está na base da falta de democracia interna?

existem Direções que se mantêm alterando apenas os cargos dos que as constituem?

os Municípios têm um papel cada vez maior na definição destes desempenhos?

não estão ainda resolvidos casos de ultrapassagem na carreira?

os prémios por bom desempenho não vão sendo atribuídos?

a profissão não é reconhecida como sendo de risco, tal como a OIT a definiu em 1981?

o tempo para a aposentação não tem qualquer especificidade em relação à profissão?

Contesta-se hoje a centralidade do processo de contratação dos professores embora se saiba que até agora serviu para garantir uma Educação pública de qualidade. Hoje, fruto de uma tentativa de municipalização do que é domínio do Estado central, procura- se por todos os meios e com base em todas as justificações possíveis que tal contratação também assim ocorra. Todavia sabe-se que, quer no País, quer em outros Estados, como provam os estudos já realizados, sempre que há uma solução deste tipo aumenta o compadrio, o nepotismo, o conluio, a fraude.

Recorde-se que alterações profundas na Escola pública resultaram da legislação produzida por Lurdes Rodrigues, responsável pelo atual modelo centralizador da gestão das Escolas e que afirmou: ‘perdi os professores, mas ganhei os pais e a população’. Veio há algum tempo pedir desculpa aos docentes, certamente por ter podido perceber, na circunstância, que tinham cumprido o que lhes era pedido, contrariamente ao que se fez constar nos jornais da época. A própria tinha, entretanto, sido mal avaliada porque não tinha cumprido o que lhe era exigido na Instituição de Ensino onde prestava serviço, o que não foi obstáculo a que tivesse sido eleita para a presidência de tal Instituto.

O burnout cresceu numa classe envelhecida e sujeita a burocracias e horários infindos, devido, por exemplo, à alteração da redução da componente letiva por idade ou à forma de implementação da componente não letiva de estabelecimento. Para além de se procurar a divisão pela tentativa de criação do cargo de professor titular, nesse tempo os professores eram em excesso porque o número de alunos ia diminuir… Mas cinco anos depois Nuno Crato já sabia que afinal havia falta de professores o que o levou, talvez por isso, aos contratos de associação reduzindo alunos em muitas Escolas públicas. Este governante, que também entrou em choque com os docentes, era pela requisição civil em vez de se sentar à mesa das negociações…

Assim, vemos atuações semelhantes no ME, quer de incompetentes, quer de prepotentes. Não cuida o atual detentor do cargo de explicar às famílias, que agora tanto o preocupam, porque não fez obras nas Escolas que necessitam de intervenção prioritária. Porque não retirou o amianto que ainda nelas existe, ou porque não negociou para procurar minimizar a falta de professores para lecionar a tantas turmas, sabendo-se que as respostas educativas têm assim de se tornar cada vez menores nas Escolas?

Quando se quer negociar, verdadeiramente, encontram-se sempre soluções, como se verifica no caso dos médicos com o projeto para a sua integração nas zonas do interior. Não se pode, por isso, querer afirmar que as negociações são ‘apenas’ pela contratação ou vinculação de docentes na tentativa de acabar com a ‘casa às costas’ de muitos deles, procurando minorar o impacto da precariedade, facto antigo e incompreensível!

É óbvio que o descontentamento se verifica também por tudo o que antes se descreveu! E não se pode afirmar que se quer fixar jovens recém-formados quando se perspetiva a continuação descrita sobre a perda do poder de compra, nomeadamente dos professores, enquanto se constata a ultrapassagem no PIB per capita até pela Roménia.

É que vemos os nossos filhos partirem pela falta de condições que têm para se realizarem no seu País, saindo a ‘custo zero’, sendo certo que todos fazemos um esforço através dos nossos impostos para a sua formação e para que a Escola pública seja de qualidade.

Dizem que o Sol quando nasce é para todos.

Não será essa a visão que os professores, particularmente os do Continente, têm da realidade!

Rogério Manita e Sousa .  Biólogo, Mestre em OT e Planeamento Ambiental, PhD em Educação, Professor do EBS. Investigador Colaborador do OP.Edu. rogeriomanita@gmail.com
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